imagem: easyart
Eram meninos de nove anos. Um grupo de cinco. E nada mais cruel do que meninos de nove anos juntos. Estavam num intervalo das aulas, o aguardado recreio. Depois do futebol, enquanto bebiam água, suados, um comentou que o pai tinha comprado um carro novo e que ele sabia de onde tinha vindo o dinheiro. O tom de maldade na voz do garoto despertou o interesse dos outros, que o cercaram para saber o que havia acontecido. Como centro das atenções, o garoto sabido contou:
- Ouvi meu pai contar pra mamãe que o que ele tinha feito era certo, e pra ela não se meter. A mamãe reclamou, disse que aquilo não era certo, que ele estava roubando da empresa e que isso não era bom exemplo pros filhos. Papai disse que os filhos nunca saberiam, e que todo mundo fazia isso mesmo.
Todos ficaram espantados. “Uau, o pai do Roginho rouba!”, disseram depois. Foi então que se estabeleceu entre eles um campeonato para descobrir erros dos pais. Carlos ouviu a mãe dizer que não daria para pagar os impostos da casa porque eram muito caros, e que o governo teria de aturá-los mesmo assim. Manuel ouviu o pai e o tio conversarem sobre algo que ele não entendeu direito, um tal de Caixa 2. Menino esperto, foi pesquisar na internet e descobriu do que se tratava. Durante semanas, um por um, os meninos foram trazendo histórias, e quanto maiores os erros dos pais, maiores eles se tornavam no meio do grupo.
Enquanto os colegas se manifestavam, Tiago ouvia atento, mas sempre silencioso. Até que chegou a vez dele falar. O menino ficou mudo. Nas últimas semanas tentou de todas as formas descobrir um erro dos pais. Ouviu conversas, perguntou aos tios, aos irmãos, mas nada. Pressionado pelo grupo a dar uma resposta, ele se apoiou no muro, ficou vermelho de sem graça, e disse:
“Meu pai é honesto”.
Gargalhadas. Zoação. A palavra “honesto” funcionou como uma senha entre os amigos. Bastava um dizer as tais letrinhas para todos os outros se descontrolarem. Não podia ser, “não havia pais honestos”, eles diziam. As risadas chegaram a um ponto que, durante a aula, a professora perguntou o que estava acontecendo. Carlinhos, o mais exibido, levantou a mão e disse:
“É que o Tiago agora anda mentindo pra gente, professora”.
“Mentindo? Eu já não ensinei pra vocês que isso é feio?”
“Ensinou sim, professora”, disse Carlinhos, com a maior cara de santo que conseguiu fingir.
“Mas o que foi que ele disse?”, quis saber a professora.
“Ele disse que o pai dele é... hahahaha. Que o pai dele é... hahaha. Que o pai dele é honesto”.
E todos caíram na gargalhada.
Consternada, a professora tentou explicar o sentido da honestidade, mas parecia em vão. Aquelas crianças já estavam tão contaminadas pelo sentido da corrupção e da mentira, que um valor tão nobre soava como antiquado. E impossível.
Ao chegar em casa, Tiago desabou a chorar. Os pais, preocupados, foram consolar o menino, que, aos berros, pediu para eles saírem:
“Não quero falar com vocês. Vocês são honestos! Eu quero pais iguais aos dos meus amigos. Quero pais normais!!”
E chorou por uma noite inteira.
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Há quase um ano frequento o Clube da Leitura, evento bacanérrimo promovido pelo Sebo Baratos da Ribeiro. Já falei sobre eles aqui, e sobre ter participado do lançamento do livro da tchurma na FLIP. São pessoas muito queridas na minha vida. Muito mesmo. Pois é, esse tempo todo e só ontem tive coragem de apresentar meu primeiro conto no evento. Na verdade, só há duas semanas li pela primeira vez um texto lá. E foi nessa edição, de 15 dias atrás, que o mote de Nelson Rodrigues {leia aqui} me cutucou a finalmente escrever algo e levar. O texto foi esse aí de cima. E foi uma noite especial. Amigos queridos, ambiente hiper-descontraído... mais à vontade impossível!
Bjos pra eles, muitos, por serem queridos e acrescentarem tanto.
E bjo especial pra @renata_carneiro, do blog canto de detalhes, que teve a gentileza de ser a primeira a ler o texto. Obrigada querida!!
Vocês estão sendo queridos aqui também, recebendo meus textos com tanto carinho.
Bjos e bjos,
Lathife Cordeiro
8 registraram seu vôo por aqui:
Realmente Lathife querida, seus textos ultimamente estão fora de série. Sempre gostei da sua forma de escrever, não me entenda mal, mas o texto acima, assim como o de ontem, são espetaculares. Parabéns e continue compartilhando conosco seus contos tão lindos. Bjs
Ps- Queria te convidar a dar uma passada em um novo blog
www.sac-do-amor.blogspot.com
Bjs
Bom carnaval pra vc tb viu?
bj
êêê! boto fé!
p.s: ando sumida, eu sei.
mas a rotina anda acelerada e tempo pra mim, virou coisa rara. mas sempre que puder voarei por aqui.
um beijo, minha querida!
Ótimo texto!
Infelizmente a virtude está perdendo o valor... :T
Nada mais cruel que meninos de nove anos. Pura verdade. rs
Oi, tudo bem?
Adorei o estilo do blog, fiquei olhando para o layout por um bom tempo. *-*
Texto lindo, gostei.
Beijos
Excelente texto!! kiss
Quem diria que chegaria um tempo em que ser honesto seria motivo de vergonha.Mas isso é verdade, os princípios hoje são tidos como vergonhosos, o barato é ser corrupto, ser 'errado', apesar de ser um conto, tem muita verdade nele.
Vou indicar pra se trabalhar na aula de ética, ok? Beijos e bom feriado!
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